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Por Carlos Fernandes, do Ongrace
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Todos os dias, às 5h da manhã, o despertador toca na casa do mestre de obras Jusselino Paz Silva, em Teresina (PI). Ele pula da cama e faz suas orações, enquanto prepara o café. Em seguida, acorda toda a família, para fazerem a primeira refeição do dia juntos – é que, depois disso, eles só voltarão a se ver no fim da noite. Jusselino sai de casa por volta de 6h20, deixa a esposa, Fransoysy, no trabalho e segue para o seu, a 19 km de distância. “O meu expediente é de 7h às 17h30, com uma hora e meia de intervalo”, conta, embora nem sempre consiga sair no horário estabelecido. Nos dias de culto na Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no bairro Vila Irmã Dulce, onde é responsável pelas reuniões, ele passa primeiro em casa, a fim de se preparar e buscar a filha caçula. “Depois, apanhamos minha filha mais velha e minha esposa”, acrescenta. Então, a família se dirige ao templo, a uns 30 km de sua casa, chegando por volta das 19h. Até aí, são 12 horas de atividades ininterruptas em um mesmo dia.
Porém, não acabou. “Dirijo o culto, que termina por volta das 20h30. Geralmente, ainda faço algum atendimento após a reunião, saindo de lá pelas nove da noite”, completa Jusselino. Quando chegam à casa, uma hora depois, Fransoysy ainda prepara a refeição da família. Já é quase hora de dormir, e, na manhã seguinte, o ciclo todo recomeça. E, se você ficou um pouco cansado ao ler a descrição de um dia normal de Jusselino, saiba que viver cercado por múltiplos compromissos pessoais, profissionais, familiares e espirituais é cada vez mais comum, principalmente no contexto urbano. Diante disso, cresce o número de pessoas que enfrentam dificuldades para cumprir os afazeres sem deixar de lado os aspectos essenciais da existência. De acordo com o próprio Jusselino, haja disciplina: “Se não for assim, não conseguiremos nem mesmo interagir com as pessoas dentro da nossa casa.”
Que o diga sua filha, Vitória Rodrigues Paz. Estudante de Comunicação e empreendedora na área de Design Gráfico, ela segue os passos do pai não apenas na fé, mas também no corre-corre diário: “Meu expediente é de 8h às 18h, e ainda faço alguns trabalhos gráficos na hora do almoço”. Só de transporte público, são cerca de duas horas diárias, cinco dias na semana. O jeito é aproveitar o tempo ali. Quando está na condução, a moça, de 20 anos, ouve música cristã, mensagens ou aulas on-line. Vitória conta que, em certo período, chegou a ler Bíblia na esteira da academia – isso, quando dava para malhar, pois, agora, o foco é nos estudos. Com vários compromissos também na Igreja, onde atua na parte de mídia e comunicação, ela conta nos dedos os momentos livres, quando pode dedicar-se ao entretenimento. “Adoro assistir a séries – isso, quando dá tempo”, diz, rindo. Vitória não abre mão de estar na casa do Senhor nos cultos durante a semana, na reunião da juventude, aos sábados, e na celebração, aos domingos pela manhã. Haja fôlego!
Jusselino e Vitória são exemplos de como a pós-modernidade tecnológica não veio para deixar as pessoas mais livres de afazeres, como se supunha no início da Era Digital, lá pelos anos 1970-80. Ao contrário do que se imaginava, o advento do computador não substituiu o trabalho do ser humano – e o problema é achar maneiras de ambos conviverem de maneira minimamente saudável. Pai e filha têm conseguido, mas isso requer muita conscientização dos próprios limites e estabelecimento de prioridades. “A tecnologia veio para facilitar nossa vida. Mas, na contramão do processo, ela nos deixou indisciplinados e acomodados”, diz Jusselino. “Na minha infância, um programa de TV durava uns 30 minutos, e eu só poderia assistir a ele de novo no dia seguinte, e tinha tempo de brincar com as outras crianças. Hoje, a garotada não precisa esperar, pois tem, em suas mãos, uma variedade de opções que não apenas as entretêm, mas também roubam sua atenção e seu tempo”, explica ele. “Na minha geração, os problemas têm sido ligados à ansiedade e ao imediatismo”, diagnostica Vitória. Para ela, achar o ponto de equilíbrio envolve mudança de mentalidade em relação ao tempo. “Em vez de assistir a mais uma série, por exemplo, prefiro dobrar meus joelhos e orar. Em vez de dormir até mais tarde, é mais importante para mim ir à Igreja, buscar ao Senhor e ter comunhão com os irmãos.”
Foco e gerenciamento
Dizer que não sobra tempo para nada se tornou um jargão do século 21. E isso independe da idade, condição social ou realidade de cada um. As crianças, por exemplo, estão envolvidas em diversas ocupações além da escola, como aulas de natação ou balé, curso de inglês e, claro, redes sociais, até os idosos de hoje estão diferentes daquela figura de outrora, lendo o jornal — aliás, nem se lê mais jornal impresso — ou cuidando calmamente da casa. É como se todo o mundo estivesse a 120 km/h, o tempo todo. “Acredito que essa Era mais tecnológica, em vez de nos liberar para mais tempo livre, acaba criando mais demandas e deixando-nos até sobrecarregados muitas vezes”, opina a jornalista Kátia Fantin, que congrega na Igreja da Graça em Porto Alegre (RS). “Com o surgimento do trabalho em home office, por exemplo, fica mais difícil sabermos estabelecer barreiras claras entre as demandas profissionais e o tempo de descanso. Eu mesma confundi bastante isso e acabei trabalhando mais horas sem perceber, tendo sempre aquela sensação de falta de tempo.”
Kátia concilia o trabalho, a formação contínua – “iniciei uma pós-graduação para aperfeiçoar o aprendizado”, informa –, a vida familiar com o marido, o Pr. Daniel Bianchi, e os ministérios de jovens e de adolescentes na IIGD no Rio Grande do Sul, liderados pelo casal. “Minha rotina é dividida entre trabalho, estudo, tarefas domésticas, muitas viagens, reuniões de ministério e cuidados com a saúde. Entre um compromisso e outro, sempre consigo me exercitar”, garante Kátia. “Com a sabedoria de Deus e um marido companheiro de missão, é possível equilibrar tudo.”
Para a jornalista, ter um tempo com Deus é a base. “Tudo o que tenho devo ao Senhor. Então, independentemente da agenda cheia ou do cansaço, busco refúgio e renovo nEle.” Kátia descobriu que correr contra o relógio não é a solução: “Criamos expectativas para que sejamos mais rápidos e eficientes, e isso pode gerar a sensação de que há sempre algo a mais para se fazer e menos tempo para isso”. O raciocínio é lógico – “Nossa existência aqui é passageira. Para vivermos como Deus deseja, é essencial que façamos o melhor uso de nosso tempo.”
No entanto, a distância entre a teoria e a prática nem sempre é curta. Nos dias de hoje, muitas pessoas têm de desdobrar-se em mais de uma atividade profissional para fechar o orçamento familiar. Há, ainda, um acúmulo de incumbências que vão sendo deixadas para depois. Somem-se a isso as distrações oferecidas pelas redes sociais e a proliferação de tecnologias de entretenimento, e o resultado é mais gente correndo atrás do relógio – o que pode ser um processo desgastante e até emocionalmente patológico. “Com a sobrecarga de estímulos e distrações, muitas pessoas, especialmente os mais jovens, têm dificuldades em manter o foco e gerenciar seu tempo de maneira eficaz”, pontua a psicóloga Layssa Ádrian Gonçalves Santos, do Rio de Janeiro. “Esse problema tem se tornado cada vez mais comum em ambientes profissionais e acadêmicos.”
“Todos temos 24 horas”
Layssa afirma encontrar muitas pessoas que se queixam de falta de produtividade e dificuldade em concentrar-se em tarefas importantes. “As causas mais frequentes são: a constante interrupção de notificações, a tendência a procrastinar e a dificuldade em estabelecer prioridades.” Alguns motivos, acentua, são a sobrecarga de informações, a falta de habilidade em planejamento e problemas de autoestima, além de autocobrança e do excesso de atribuições. Ela fala por si mesma: “Casa, trabalho, filha, marido, atendimentos psicológicos a pacientes, Igreja… Tudo é bem urgente, mas, se não houver o estabelecimento de prioridades, e eu fizer muitas coisas ao mesmo tempo, não serão feitas com esmero, o que ainda irá gerar frustração e sentimento de incapacidade. Então, para mim, o que tem funcionado bem é colocar tudo por ordem de prioridade e desenvolver uma coisa por vez, mas com excelência.”
Casada com o Pr. David Santos, a psicóloga sustenta que o fato de lidar com esses sentimentos de frustração por não se sentir capaz de atender a todas as obrigações, necessariamente, tem de levar em conta a fé. “É importante lembrar que o tempo de Deus é perfeito – e, se não há como mudar o passado, o futuro pode, sim, ser transformado. Sempre há oportunidades para crescimento e renovação. A cada amanhecer, as misericórdias do Senhor se renovam, e temos, então, a chance de fazer tudo certo de novo!”
Para a jovem Bruna Silveira, de Porto Alegre, deixar-se levar pela impressão de que o tempo é insuficiente não é uma opção. Por isso, a disciplina e a constância são cruciais: “Tenho a percepção de que a verdadeira causa da alegada falta de tempo é, na realidade, o uso inadequado desse recurso”, pontua. “Muitas vezes, passamos horas demais diante das telas, quando esse tempo poderia ser bem melhor aproveitado com a família, Deus e os amigos.” Sua rotina inclui trabalho, serviço na igreja local (por meio das mídias digitais), academia e tempo de qualidade com quem ama. “Temos 24 horas e, mesmo que alguns dias sejam mais corridos, é fundamental medir a prioridade das coisas”, sentencia.