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17/12/2024Uso excessivo de celulares e mídias digitais ameaça saúde mental e comportamento de crianças, jovens e adolescentes, mas outro caminho é possível
Carlos Fernandes e Viviane Castanheira, do Ongrace
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Os alertas sobre os danos causados pelo uso excessivo de celulares, tablets e outros aparelhos de conexão digital – sobretudo por crianças, jovens e adolescentes – são recorrentes. Se, até a geração de seus pais e avós, a garotada priorizava as brincadeiras na rua, que demandavam vitalidade física e promoviam conexões interpessoais, o século 21 trouxe uma ruptura comportamental com enormes reflexos na qualidade de vida e nas relações sociais. Surgiu a geração dos nativos digitais, aqueles que têm contato com essa modalidade de tecnologia desde a infância. Diante dessa mudança de padrão, foram feitos diversos estudos acerca desse tema. Em média, crianças e jovens passam quatro horas diárias no celular – principalmente, nas redes sociais. Uma pesquisa, conduzida pela Common Sense Media em parceria com a University of Michigan C. S. Mott Children’s Hospital, dos Estados Unidos, encontrou jovens que consomem 16 horas desse mundo paralelo – isso mesmo, dois terços do dia.
O livro A geração ansiosa, do psicólogo social norte-americano Jonathan Haidt, traça um preocupante quadro observado desde 2010. Nele, o pesquisador desenvolveu uma análise chamada A grande reconfiguração da infância, na qual defende que o conceito básico dessa fase da vida, antes marcada pelas brincadeiras coletivas que envolviam corridas, saltos e habilidades manuais, foi substituído por celulares, que individualizam os comportamentos e levam ao sedentarismo justamente no período em que corpo e mente têm enorme energia e precisam se desenvolver. No Brasil, os levantamentos apontam na mesma direção. O envolvimento desmedido com tecnologias de informação e interação social digitais preocupa educadores, psicólogos e, especialmente, as famílias. Nesse caso, não importa a classe social, o nível de instrução ou a crença religiosa – toda uma comunidade, de cerca de 65 milhões de brasileiros até 18 anos de idade, está vulnerável ao fenômeno.
Quando notou uma mudança profunda nas atitudes do neto, Paulo César Tenório de Lima, de oito anos, a comerciante Gizelia Tenório de Souza Gomes, 51, percebeu que algo grave estava acontecendo. “Fiquei assustada quando ele passou a gritar comigo e a falar palavrões”, lembra-se ela, que cuida de Paulo durante a semana, enquanto a filha dela, que é mãe do menino, trabalha. “Ele ficava gritando e chutando as coisas dentro de casa. Devido a isso, decidi conferir o que ele assistia no celular e fiquei assustada com os conteúdos da rede TikTok.” Gizelia tentou resolver a situação à sua maneira, impondo limites e tirando o celular da criança. Porém, o quadro piorou: “Ele ficou ainda mais rebelde”, conta a avó, que é membro da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Natal (RN). Então, ela constatou que o neto estava dependente daqueles estímulos.
“A escola pediu que procurássemos um psicólogo, porque o Paulo estava com notas baixas e chegou a brigar fisicamente com um coleguinha. Ele ficava direto com o celular, e eu não o monitorava”, reconhece. “Foi bem difícil.” O problema foi enfrentado com compreensão, afeto e fé. “Graças a Deus, fui conversando com ele, explicando o que era de Deus e o que era do diabo. Então, ele começou a me fazer perguntas, e fui respondendo o que podia ver ou não.” Essa conscientização, feita em linguagem acessível à criança, melhorou o cenário dentro de casa. “Conversamos e oramos com ele, e eu o tenho levado à Igreja. Agora, ele pega no celular apenas para acessar uns joguinhos de memória, mas fico vigiando. Sou muito grata a Deus, pois, hoje em dia, vemos tanta coisa acontecendo com as crianças on-line, e o Senhor o livrou de algo pior”, diz Gizelia, aliviada.
E não é exagero. Em 2021, foram registrados 200 casos de suicídio na faixa etária até 15 anos, no Brasil. Nove dessas vítimas tinham até nove anos. É o maior índice da série histórica, iniciada em 1996. Os severos impactos da exposição demasiada à tecnologia, que traz a reboque conteúdos nocivos, depreciativos e preconceituosos, foram identificados pela Universidade de San Diego, nos EUA – outra nação que tem acompanhado a escalada nos índices de bullying, violência escolar e criminalidade infantojuventil. Artigos acadêmicos produzidos ali apontam que adolescentes com contato intenso com dispositivos eletrônicos (como computador, celulares e video games) manifestam menores índices de autoestima, satisfação com a vida e felicidade. Essa constatação tem feito muitas escolas proibirem o uso desses aparelhos em suas dependências, medida que desperta polêmica, mas é bem-vista por grande parte das famílias. Pesquisa recente do Instituto Datafolha aferiu que 65% dos pais brasileiros apoiam o banimento.
Liberdade com vigilância
“Diante de tantos estudos que têm sido realizados e das comprovações científicas dos prejuízos causados pelo uso excessivo de celular, faz-se necessário esse tipo de intervenção”, concorda a psicoterapeuta e palestrante Sandra Machado, membro da Igreja da Graça no bairro Parque Mundo Novo, na capital paulista. Com muita experiência profissional e ampla vivência no ambiente infantil da Igreja, no qual atua desde a adolescência, ela é requisitada para os congressos do ministério Crianças que Vencem (CQV). Sandra destaca os malefícios dessa prática: “A desatenção provocada por essa intensidade de estímulos pode causar dependência. Se, para adultos, manter a disciplina e o autocontrole no uso dos aparelhos digitais é difícil, imagine para crianças e adolescentes.” Em sua prática terapêutica, Sandra diz que muita demanda vem de pais preocupados quando os prejuízos começam a aparecer, como notas baixas na escola e baixo desempenho intelectual. “As crianças e os adolescentes, por si sós, não conseguirão estabelecer limites no tempo de uso do celular, porque o estímulo e a recompensa são muito mais fortes do que conseguem suportar”, ensina. “Os limites são necessários para o desenvolvimento saudável e precisam começar em casa. Disciplina e limites são fundamentais para que a criança, ao chegar à escola, não aja com tanta resistência às regras da instituição.”
Na casa da Prof.ª Munique ShirlesAraujo Cruz, o preço da liberdade é uma constante vigilância. Mãe de três filhos – Henry Lucas, de 7 anos; Maria Eduarda, de 12, e Bruna Vitória,de 19 anos –, ela e o marido, Carlos Henrique,estabelecem horários e condições para o uso de celular. “Com a Maria Eduarda, o aparelho é utilizado para a comunicação, porque ela estuda em uma escola integral, e eu trabalho o dia inteiro”, explica. “Por meio dele, minha filha me diz se já comeu e se está tudo bem”. Henry, por sua vez, tem autorização para manusear o aparelho por uma hora, de manhã, e outra, à noite. O garoto pode jogar e assistir a vídeos, mas tudo é igualmente limitado. “Com Bruna, que é a minha filha mais velha, não tenho tanto controle. Ela é jovem, vai à escola, então passa mais tempo com o celular”, comenta Munique.
A família frequenta a Igreja da Graça em Campinas (SP) e mora em um condomínio onde o convívio com outras crianças favorece o crescimento dos dois filhos menores longe das telinhas. “Eu e meu marido tentamos ficar atentos. Mas, não dá para ver tudo, porque, em alguns momentos, eles ficam no quarto”, admite. “Às vezes, encontramos, no histórico dos acessos, conteúdos que eles não deviam ter visto. A internet está dominada por coisas erradas. Temos de proteger nossos filhos”, afirma. Nos dias de hoje, é comum alguém, antes mesmo de se levantar da cama, verificar as mensagens e informações. “Para mim, seria difícil ficar sem celular, por causa das diversas ocasiões que me fazem usá-lo”, diz a jovem Adriele Vieira Briano, de 18 anos, de São Paulo. Autêntica representante da geração dos nativos digitais, ela usa o smartphone para quase tudo: “Tanto no trabalho quanto nos meus cursos e até nas minhas horas de lazer.”
Recém-formada no Ensino Médio, Adriele reconhece que a falta de restrições aos acessos digitais na escola “atrapalhava muito”. Agora, mais consciente, ela não deixa isso ser um obstáculo para o seu trabalho em um curso preparatório para escolas militares, embora precise ficar conectada para interagir com os clientes ou resolver questões da própria atividade. “Faço também ensino à distância, pois não consigo conciliar o curso presencial e o trabalho.” Contudo, essa interatividade não a afasta do convívio com outros jovens, sobretudo nos cultos e nas programações da Igreja da Graça. Além disso, Adriele não abre mão de um uso positivo da telinha: “Leio bastante a Bíblia no celular”, conta.
Fora da “caixinha” virtual
O papel da família é fundamental na adolescência – uma das faixas mais suscetíveis aos danos da dependência digital. “O adolescente ainda está em processo de construção do seu caminho e ganhando seu espaço. Por isso, é esperado que ele teste seus familiares nas imposições de autoridade no lar”, observa a pedagoga Jessica Elias de Azevedo Souza, que lidera o ministério Jovens que Vencem Teens da Igreja Internacional da Graça de Campinas (SP). Esse estabelecimento de limites contínuo não deve ser interpretado pelo viés negativo, mas, sim, como demonstração de amor, carinho, respeito e autoridade. “Além disso, é o cumprimento do mandamento de Jesus, de amar o próximo como a si mesmo.” Jessica chama a atenção para o fato de que o cenário familiar tem sido perigosamente alterado. “Na tentativa de serem próximos de seus filhos, pais ou responsáveis acabam criando situações nas quais os papéis se invertem – os adultos passam a ser apenas os que alimentam e dão sustento, abrindo, cada vez mais, espaço para os filhos que, com 12 ou 15 anos, acreditam que podem tomar suas próprias decisões”, avalia.
Em sua prática na Igreja, a Prof.ª Jessica tenta aproveitar ao máximo o tempo de ensino da Palavra: “Por isso, damos pouca abertura ao uso do celular. Não tenho nenhuma dificuldade em solicitar que guardem os aparelhos e deixem para fazer determinadas coisas após o culto, pois a dispersão prejudica o momento no qual estão descobrindo sua identidade em Cristo e tendo o privilégio de ouvir as promessas que o Senhor tem para eles”. Ela reconhece que não é fácil ser líder, mas que, com respeito, carinho e dinamismo, consegue trazer a garotada de volta ao mundo real, saindo da “caixinha” virtual. “O celular tem muitas qualidades se for bem utilizado; mas, pode gerar sérios problemas se não for controlado”, pondera.
A experiência de Dayara dos Santos Monteiro, dirigente do CQV na Igreja da Graça em Natal, demonstra o risco de não se exercer tal controle. “Tive o caso de uma criança de cinco anos que estava bastante agressiva, quebrando os brinquedos no ministério infantil. Era mesmo algo incomum”, relata. A criança tinha um celular, e seu uso não é permitido na salinha. Porém, fora dela, Dayara notou que o menino ficava assistindo a um violento vídeo com carros chocando-se. “Só então, entendi o porquê daquelas ações.” Com muito tato, Dayara conversou com a mãe do aluno e a orientou a observar o que o filho estava consumindo, bem como o tempo que passava ao celular. Então, aquela mãe relatou que tinha sido chamada à escola – um estabelecimento cristão – para tratar da conduta do menino. “E não foi apenas um ou dois casos que tivemos, mas houve vários episódios de crianças agitadas, com dificuldade para ficarem sentadas ou permanecerem quietas.” Dayara é taxativa ao afirmar que, se a família quer ver os filhos salvos por Cristo, deve ser criteriosa nessa questão.
“Os pais precisam ser firmes e presentes na vida de seus filhos – a fim de não se sentirem culpados ao pôr limites, pois estão fazendo um bem”, orienta o Pr. Lucas Andrade, coordenador da juventude na Igreja da Graça, que se reúne no templo-sede de Recife (PE). Ali, ele procura influenciar a moçada mostrando que há coisas mais valiosas do que as encontradas nos sites ou nas redes sociais. “O nível de distração é proporcional ao aumento de informação, e o nível de isolamento ao de pseudoentretenimento social fornecido pela internet”, avalia. “Todavia, a Bíblia nos ensina a manter a comunhão, como vemos no Salmo 133, e a aproveitar bem o nosso tempo, conforme ensina o apóstolo Paulo, em Efésios 5.15,16.”
Em sua prática pastoral, Lucas tem atendido e aconselhado aqueles que se tornaram reféns do desequilíbrio da oferta digital. “De maneira individual, tratei de jovens que se viciaram em pornografia pela internet, assim como em jogos on-line.” Isso sem falar na falta de concentração e na ansiedade que, com o tempo, vão limitando o indivíduo em aspectos básicos, como estudo, trabalho, relacionamentos afetivos e, claro, temor a Deus. O Pr. Lucas considera que, se a restrição imposta pela família é limitada – afinal, não é possível exercer controle absoluto sobre os atos de um jovem, ainda mais quando atinge a maioridade –, cabe a cada um decidir o que é melhor para si: “Por vontade própria, alguns deixaram comigo seus aparelhos celulares, durante determinado tempo, para que pudessem vencer o período de abstinência até se verem livres dessa compulsão.”
Essa consciência pode vir ainda mais cedo, a depender da orientação recebida e do próprio desejo de buscar o Senhor e servir-Lhe de todo coração. É o caso da estudante Maria Eduarda de Araujo Cruz, de 12 anos, filha da já citada Prof.ª Munique Cruz, de Campinas.Apesar de não ser proibido o uso de celular na escola, a estudante não costuma ficar no aparelho o tempo todo. “Eu o utilizo bastante, mas, durante a semana, só para falar com meus pais e informar o que estou fazendo no intervalo das aulas”, explica. Além disso, ela prefere brincar com seus amigos do condomínio ao ar livre, no fim de semana. Sobre a leitura bíblica, disciplina que ela segue à risca toda noite, Maria Eduarda prefere o livro de papel. Na sua idade, a tecnologia e as mídias digitais são elementos que não podem ser eliminados, uma vez que a humanidade tem girado nesse padrão. Em sua simplicidade adolescente, ela avalia como seria sua vida longe das telinhas: “Acho que, se tirassem o meu celular, eu sentiria falta. Mas, também, seria bom para mim, porque eu conseguiria me concentrar mais ainda nos estudos”, conclui, cheia de responsabilidade.