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09/10/2025Por Marcelly Cavalcanti, do Ongrace

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O Brasil vive um sinal de alerta vermelho com o aumento de adeptos às plataformas de apostas on-line, conhecidas popularmente como “bets”. A explosão digital, que tomou conta das redes sociais e das publicidades esportivas, tem despertado preocupação não apenas na esfera social, mas também nas igrejas — tanto como forma de prevenção quanto, em alguns casos, auxílio e cuidado. Segundo pesquisa recente do PoderData, 41% dos evangélicos já tiveram algum tipo de contato com essas plataformas.
Os dados revelam um avanço, muitas vezes, silencioso de um hábito que, embora alguns considerem inofensivo, traz graves consequências espirituais e emocionais. O levantamento mostra que a prática deixou de ser um passatempo restrito aos fãs de futebol e passou a atingir todas as classes sociais e faixas etárias — inclusive pessoas que, antes, rejeitavam qualquer prática associada a jogos de azar.
Crescimento impulsionado pela popularização
Nos últimos dois anos, o Brasil se tornou um dos maiores mercados do mundo nesse segmento. Clubes de futebol, influenciadores digitais e até programas de televisão firmaram contratos milionários com empresas do setor. Com essa presença massiva, os jogos deixaram de ser assunto de nicho e se tornaram parte do cotidiano de milhões de brasileiros.
Para o presbítero e líder auxiliar de grupos de estudos nos lares, Renato Ferreira, da Igreja Comunidade Cristã Novo Dia, o problema vai além da publicidade agressiva: ele é espiritual. “O vício, em essência, geralmente é uma fuga da dor e da realidade. No campo espiritual, revela uma ausência de comunhão genuína com Deus e de uma libertação que ainda precisa acontecer, como descrito em 2 Coríntios 3.17. Mesmo dentro da igreja, podemos cair no engano de alimentar dependências que tentam ocupar um vazio que apenas o Espírito Santo pode preencher”, reforça o líder.

Armadilha disfarçada
Diversos usuários afirmam jogar apenas por diversão. No entanto, a facilidade de acesso — bastam poucos cliques no celular — e o estímulo constante de influenciadores criam um terreno fértil para o vício. A pesquisa mostra que a maioria joga mais de uma vez por semana e uma parte significativa admite perdas financeiras recorrentes.
Casos de endividamento e descontrole se multiplicam. Psicólogos e conselheiros cristãos relatam um aumento na procura por ajuda de pessoas em crise de compulsão, que pode gerar ansiedade, culpa e até destruição de relacionamentos.
“O que começa como curiosidade se transforma em dependência emocional. A pessoa passa a associar a fé à sorte, e isso é perigoso”, explica a psicóloga cristã Vivyane Tanaka, da Primeira Igreja Batista do Recreio. “Cada vez mais a pessoa quer dopamina, o cérebro fica dependente disso. Desde 1980, a OMS classifica o vício em jogos como uma doença, ludopatia, tamanha a gravidade”, explica.
“Em 2024, a revista The Lancet, conhecida mundialmente na área de pesquisa da saúde, publicou um artigo com indivíduos analisados de 2010 a 2024. O estudo conseguiu verificar que o cérebro das pessoas lodopatas apresenta diferenças em áreas como o córtex pré-frontal, frontal e a ínsula, que estão relacionadas à tomada de decisão, às emoções e ao prazer. Essas alterações são comprovadas por exames de imagem”, salienta.
Para Vivyane, o papel da igreja é tão fundamental quanto o do especialista. Esses auxílios se complementam, diminuindo a possibilidade de uma recaída. “ Na igreja, há acolhimento, tanto físico quanto espiritual, em receber e amparar os necessitados. Abordar as questões subjacentes à busca por satisfação, decorrentes, muitas vezes, de um sentimento de vazio. O Evangelho nos convida à confiança na provisão divina, não em probabilidades matemáticas.”
A especialista enfatiza a importância do acompanhamento contínuo. “Por meio de acompanhamento individual, como oferecido nas igrejas por líderes e pastores, pode auxiliar a pessoa a identificar e expressar a natureza desse vazio que procura preencher. Um programa de discipulado, que inclua o aprendizado dos ensinamentos bíblicos, pode atuar como um preenchedor, amenizando a ansiedade e o desejo por satisfação imediata. O tratamento psicológico, como a terapia cognitivo-comportamental, auxilia na reestruturação dos pensamentos e na compreensão dos padrões comportamentais”, finaliza.
Embora a oferta de terapia por parte da igreja possa ser um desafio, a orientação para a busca de ajuda profissional já representa um passo significativo. Alternativamente, a participação em grupos de apoio pode ser benéfica para aqueles que não dispõem de acesso imediato ao acolhimento espiritual e psicológico.
O desafio das igrejas
O avanço do número de apostadores representa um novo desafio para as lideranças e comunidades de fé. Muitos pastores relatam que fiéis procuram aconselhamento após perdas financeiras, e que é preciso abordar o tema com verdade e empatia, sem julgamentos, mas reafirmando os princípios bíblicos.
Diversas igrejas têm organizado campanhas educativas, estudos bíblicos e até grupos de apoio para tratar do assunto. “A Igreja é o lugar onde o dependente encontra cura e propósito, e onde a graça de Deus transforma a fraqueza em testemunho”, ressalta o presbítero.
Entre o entretenimento e a idolatria
No campo espiritual, o alerta é claro: a promessa de ganho fácil é uma das tentações mais antigas. Desde os tempos bíblicos, o homem é tentado a substituir a fé pela sorte, a oração pela aposta e a esperança pela ansiedade de um resultado. O livro de Provérbios 13.11 (ARA) ensina: Os bens que facilmente se ganham, esses diminuem, mas o que ajunta à força do trabalho terá aumento. Essa verdade continua atual — especialmente em um tempo em que o imediatismo e o consumo fácil parecem seduzir pessoas de todas as idades e, até mesmo, dentro da fé cristã.
O crescimento e as ações das igrejas são um sinal de alerta espiritual e social. Em um mundo que promete recompensas instantâneas, o cristão é chamado à paciência, ao contentamento e à confiança plena no Senhor. Mais do que condenar, a Igreja busca ensinar, acolher e orientar com sabedoria, lembrando que a verdadeira prosperidade não vem do acaso, mas da fidelidade a Deus e do trabalho justo.
Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas, disse Jesus em Mateus 6.24 (ARA). Que essa advertência continue ecoando no coração de todo cristão e que, diante de um clique tentador, lembre-se: a fé não se aposta — se vive.